Terceiro reitor de universidade federal nomeado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2023, o professor Silvério de Paiva Freitas Júnior assumiu a reitoria da Universidade Federal do Cariri (UFCA) para um mandato de quatro anos, iniciado no último dia 4 de junho. Vencedor de uma disputa eleitoral marcada pelo acirramento entre os grupos que defendiam as duas chapas concorrentes à reitoria da instituição, Silvério garante que, passadas as eleições, o clima agora é outro: “vamos aproveitar o que no projeto deles for interessante e incorporar no nosso”.  

O novo reitor assume com a experiência de quem já vinha exercendo cargos de gestão acadêmica: ainda em 2010, ano em que ingressou no então campus da Universidade Federal do Ceará (UFC) no Crato, passou a ocupar a vice-coordenação do curso de Agronomia. Foi também o primeiro pró-reitor de Planejamento da UFCA, entre os anos de 2013 e 2016, atuando diretamente na coordenação do Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI). Desde 2016 ocupava cargo de Pró-Reitor de Administração.

Nesta entrevista exclusiva à Agência Cariri, realizada uma semana antes da cerimônia de transmissão de cargo realizada nesta segunda-feira (19) no Auditório Beata Maria de Araújo, no Campus da UFCA em Juazeiro do Norte, Silvério Júnior anunciou como vai funcionar a Secretaria de Ações Afirmativas, disse que vai em busca de emendas parlamentares para construção do hospital universitário e de uma nova biblioteca central e falou sobre as metas e desafios da nova gestão para o próximo quadriênio.

Qual o maior desafio que a UFCA deverá enfrentar nos próximos anos?

O maior desafio é a recomposição orçamentária. Em 2014, para vocês terem uma ideia, o orçamento para 63 universidades públicas que existiam naquele momento era em torno de R$ 14 bilhões. Atualmente, em 2023, o orçamento de 69 universidades é de R$ 4,5 bilhões. O foco da nossa gestão é consolidar os cursos existentes, como Jornalismo, Agronomia, Medicina Veterinária, Medicina, os cursos de Engenharia, que precisam de estrutura de laboratórios. A gente precisa então primeiramente fazer um plano para consolidar todos os laboratórios, todos os cursos existentes e, assim, também ampliar e criar novos cursos. Vamos trabalhar para que todos os cursos fiquem consolidados não só em relação a equipamentos, mas também em servidores que possam colaborar nas atividades de laboratórios. A gente tem dados lá do Instituto de Formação de Educadores (IFE), em Brejo Santo, que atualmente não tem técnico de laboratório que possa colaborar lá. Na Agronomia e na Medicina Veterinária, no Crato, também não há técnicos suficientes para atender a demanda e, em outros cursos, a gente tem também essa dificuldade. Então nosso foco será na consolidação de estrutura física e contratação de mais servidores para, aí sim, ampliar e criar novos cursos aqui na instituição.

Qual é a situação orçamentária da UFCA atualmente?

A UFCA foi criada em 2013 e em 2014 tínhamos nosso orçamento próprio, desvinculado da UFC. Naquele ano, a Lei Orçamentária Anual (LOA) destinou quase R$ 35 milhões para a UFCA. Em 2023, o orçamento é de R$ 31 milhões, sendo que em 2014 a gente tinha em torno de 2 mil estudantes, enquanto hoje são mais de 4 mil. Há dez anos éramos em torno de 300 servidores e hoje somos mais de 600. Neste período, o metro quadrado também ampliou muito. Então quando você compara 2014 com orçamento de 2023, você vê a dificuldade, fora a inflação do período.

Como a atual gestão pretende equacionar o aumento de despesas, fruto da expansão da universidade, com um orçamento cada vez mais reduzido?

A universidade vem fazendo parceria com a bancada cearense e mantendo contatos no MEC (Ministério da Educação) para tentar conseguir recursos extra-orçamentários, de modo que tenhamos condições de expandir e evoluir. O recurso que vem da LOA é praticamente para pagar os contratos contínuos que a universidade tem, como limpeza, vigilância e manutenção, que consomem praticamente 85% do orçamento de custeio da universidade. Com apoio da bancada cearense, queremos fazer melhorias no campo de prática do curso de Medicina, com a implantação do hospital universitário para o campus de Barbalha. No Campus Crato queremos entregar o hospital veterinário. Em Brejo Santo vamos pleitear junto ao Governo do Estado a doação definitiva do espaço que ocupamos atualmente e pleitear um novo espaço para que possamos construir uma estrutura mais adequada. Em Juazeiro do Norte o foco é melhoria da nossa biblioteca.  

Mesmo durante a pandemia e o governo Bolsonaro, diante de tantos cortes, a universidade optou por manter os auxílios estudantis. Esta política voltada para assistência estudantil vai ser mantida pela gestão atual?

Com certeza. A nossa vice-reitora é a professora Ledjane Sobrinho, que continuará na Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis. A PRAE é referência no orçamento participativo com os estudantes: durante o início do ano é realizada essa discussão com os estudantes e eles definem em qual auxílio vai ser alocado o recurso disponível. Vamos priorizar ainda mais a atenção aos nossos alunos, acolhendo os estudantes não só na parte acadêmica. O foco principal agora é a permanência dos estudantes e a gente vai levar realmente essa pauta para Andifes. Por exemplo, a questão do Refeitório Universitário (RU), ele consome praticamente 50% do recurso do Programa de Nacional de Assistência Estudantil (PNAES). Estamos lutando para que venha um recurso específico para pagar o RU e com esses 50% que a gente consiga ampliar os programas, como o moradia, que tem uma fila de espera grande.

A UFCA anunciou a abertura de 910 vagas em cinco cursos EaD. O ensino à distância ainda é alvo de muitas críticas e comparações com o ensino presencial. Como a universidade está estruturando o EaD, sobretudo em relação à qualidade da formação fornecida?

Os cursos à distância em nenhum momento vão competir com os presenciais. Justamente os cursos à distância são para pessoas que normalmente não têm tempo de estar durante o período diurno em uma faculdade e à noite também não conseguem frequentar. Então a ideia é justamente dar possibilidade para essas pessoas que têm dificuldade de forma presencial estarem cumprindo a carga horária necessária e disponibilizar essa oportunidade também para capacitá-los. Então o nosso foco também junto ao Ministério da Educação é que dentro da matriz orçamentária de custeio e capital que venha um recurso específico para o Ensino à Distância (EaD), não apenas para investir em tecnologia, porque os cursos EaD não se fazem só com computadores. A gente tem também que melhorar as metodologias de ensino desses cursos e capacitar os professores envolvidos nesse processo.

Nos últimos anos a UFCA elevou o número de cursos, obteve avaliação positiva do MEC (Nota 4, de uma escala que varia entre um e cinco) e mais que dobrou sua estrutura física. Entretanto, nos rankings nacionais do ensino superior, a instituição ainda ocupa posições modestas. Quais estratégias a universidade pretende adotar para elevar seus indicadores de qualidade do ensino?

Vamos criar um Comitê de Gestão Acadêmica, com a Pró-Reitora de Graduação, que vai trabalhar especificamente com a coordenação do curso, com o diretor acadêmico e vice-diretor, para identificar as causas de evasão em cada curso. Porque a evasão que acontece no Jornalismo tem uma causa, a que acontece na Agronomia, Medicina Veterinária  tem outro fator. Então a gente vai trabalhar individualmente para traçar um plano de melhoria em cada curso e trabalhar junto na redução de evasão e a retenção que são números indicadores importantes, que no final acabam reduzindo também os indicadores gerais da universidade. Então, esse comitê e a gestão acadêmica trabalharão diretamente com os coordenadores e diretores para que a gente consiga fazer esse plano de melhoria e avançar nos indicadores. Também em relação à avaliação de curso é preciso investir na questão do acervo literário. A gente tem uma biblioteca que ainda não atende a demanda, e eu falo não só do campus de Juazeiro, mas da Faculdade de Medicina, em Barbalha, em Brejo Santo e no Campus Crato. É preciso melhorar o acervo bibliográfico da nossa biblioteca na instituição, não só com acervo físico. Começamos um trabalho junto com o pessoal do Sistema de Bibliotecas (SiBi), para contratação de plataformas digitais e para  aumento do acervo literário. Mas precisamos batalhar por um espaço físico adequado também. Nossa atual biblioteca não atende um estudo em grupo nem individual. Então o foco nosso para o campus de Juazeiro é construir uma biblioteca central, que atenda a demanda da comunidade, e não só a comunidade interna. A ideia é que essa nova biblioteca acolha a comunidade externa da UFCA, a comunidade do Cariri como um todo. E construir uma área de convivência e de lazer aqui dentro da instituição.

A UFCA vem se manifestando em pautas sociais como a luta contra o racismo, a homofobia e a transfobia. Recentemente, a decisão de implantar banheiros sem gênero provocou polêmica dentro e fora da universidade. Como a atual gestão pretende lidar com essas questões?

A UFCA precisa acolher qualquer cidadão que venha à universidade. O banheiro sem gênero foi aprovado por unanimidade no Conselho Universitário. Esperamos que esta ação se estenda para todas as unidades acadêmicas. O banheiro sem gênero dá essa opção de acolher que é o mínimo que podemos fazer porque ainda temos que fazer muito mais. Neste sentido estamos criando durante a nossa gestão a Secretaria de Ações Afirmativas, que vai trabalhar junto aos movimentos sociais aqui da região do Cariri e discutir realmente para fazer uma política de ações afirmativas na nossa instituição. Queremos que realmente a universidade acolha toda a comunidade. A universidade conseguiu avançar em criação de cursos, infraestrutura física também. A gente espera agora nesse novo cenário político, que a gente consiga realmente evoluir muito mais do que a gente evoluiu nesses últimos anos. 

A inclusão de pessoas com deficiência é um dos desafios da UFCA. Embora a instituição possua uma Secretaria de Acessibilidade, que atua no acolhimento das necessidades destes estudantes, na prática, existe uma dificuldade de concluírem a graduação. Que tipos de ações estão sendo pensadas no sentido de garantir a permanência deles na universidade?

Vamos nos reunir com a Secretaria de Acessibilidade, com o curso de Letras Libras e com a PRAE para discutirmos a implantação de ações e programas que incentivem a permanência destes alunos na universidade. A própria Secretaria de Ações Afirmativas também pode atuar neste sentido, contemplando ações para diversos públicos como as pessoas com deficiência, a população indígena e quilombola.

Embora esteja completando dez anos, a UFCA ainda não é conhecida por razoável parcela da população do Cariri. Em 2023, a instituição deve consolidar a integralização da extensão universitária nos currículos da graduação, o que deve aproximar ainda mais a comunidade da universidade. O que mais está sendo pensado para tornar a UFCA mais próxima das pessoas da região?

A universidade tem que se aproximar do ensino médio, conversar com as escolas públicas e particulares, municipais e estaduais da região, e apresentar a UFCA. Quem vai entrar realmente na nossa instituição são os jovens, estudantes do ensino médio e muitos deles nem sabem quais cursos temos. Vamos não só apresentar quais cursos, mas também os programas de permanência na instituição. Muita gente desconhece, às vezes entra na universidade, mas não sabe o que é um auxílio moradia, que pode ser isento total do Refeitório Universitário (RU).

O transporte público é um fator externo à universidade, qual tipo de ação e de integração com o poder público tem sido empenhado no sentido de garantir um acesso adequado?

O transporte é um problema crônico. Já tivemos contato com as prefeituras locais, aqui no Crajubar (perímetro urbano formado pelas cidades de Crato, Juazeiro e Barbalha), para dialogar e tentar pedir que realmente eles se sensibilizem com a situação dos nossos estudantes, que educação nunca é um custo para qualquer órgão público. Educação sempre é investimento. O estudante que sair de Exu, Barbalha, Juazeiro ou outro campus, com certeza esse aluno vai voltar para o seu município e trazer benefícios.

O processo eleitoral este ano na UFCA foi caracterizado pelo acirramento dos ânimos e pela polarização entre os eleitores das duas chapas que disputavam a Reitoria. Passadas as eleições, como será a relação da atual gestão com a oposição dentro da universidade?

A oposição é sempre bem vinda, lógico, com críticas construtivas. É o que nós esperamos, que a oposição continue cobrando e que as críticas nos mantenham fora de uma situação de comodismo. Esperamos que essa crítica venha acompanhada de  ideias, soluções e não apenas da crítica pela crítica. Já conversei com os professores Rodrigo e Rodolfo (que disputaram a eleição) e todo o grupo que apoiou a outra chapa e agora a universidade é uma só. Vamos trazer as ideias e aproveitar o que no projeto deles for interessante e incorporar no nosso e pensar que a universidade avance no próximo quadriênio. A ideia é união, juntar esforços pensando especialmente nos nossos estudantes.

A UFCA tem aprovada uma concessão de rádio universitária que foi engavetada no governo do ex-presidente Bolsonaro. Como está a discussão sobre a implementação da FM?

Esse processo está parado há muito tempo, desde 2011. Ele foi aberto pela Universidade Federal do Ceará (UFC), e aí a gente tem um ofício da UFC se comprometendo em repassar a concessão da rádio para a UFCA. Agora no começo deste ano, o professor Ricardo Ness (na ocasião, ainda reitor)  teve reunião com o Ministro das Comunicações e prometeu colocar esse processo novamente em andamento. Ele estava engavetado e a gente não conseguia acesso, a realidade é essa. Mas na semana passada tivemos uma excelente reunião com a Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), que nos informou que tem interesse em expandir a cadeia de rádio e TV e já tem essas concessões implementadas, sem precisar passar por esses trâmites legais do governo. E com uma simples adesão de termo de cooperação essas concessões seriam encaminhadas às universidades que tiverem interesse. Logicamente que precisa da compra de equipamentos para poder viabilizar o funcionamento de uma rádio ou da TV, no caso seria uma TV digital, não seria dessas convencionais. Mas a rádio teria que comprar o equipamento, a gente participaria de uma ata deles e eles mandariam os técnicos aqui para universidade e esses técnicos fariam esse levantamento e veria qual equipamento seria mais viável para utilização e aí com esse termo de cooperação, a gente passaria a ter uma rádio.

Quais as exigências da EBC para que a UFCA obtenha uma das concessões?

A concessão da EBC é ilimitada. Mas, só teria uma contrapartida, que seria a exibição de uma programação de quatro horas mínimas da programação deles e mais a Voz do Brasil todos os dias. A gente teria que ter cinco horas sendo utilizadas em cadeia nacional. E o resto da programação ficaria conosco. Existem outras universidades maiores e mais antigas que a nossa, que propuseram acabar com as emissoras de rádio porque estava gerando uma despesa muito alta, o equipamento já estava obsoleto. E eles tiveram total interesse em aderir à cadeia EBC. Um dos entraves é porque o cargo de jornalista está suspenso momentaneamente. Todas as universidades participaram e tiveram interesse, mas o MEC também estava presente e foi bastante criticado nisto. Como é que vamos fazer isso se não temos jornalistas ou se os que temos são poucos? Então o MEC prometeu rever a questão do bloqueio do cargo de jornalista e outros cargos.

Entrevista a Edwin Carvalho e Érica Pessoa / Agência Cariri