Recontar as memórias que envolvem Luiz Gonzaga e o Cariri Cearense é mergulhar em histórias do sertão nordestino como um todo. Segundo o historiador Adeildo de Sousa, “falar de Luiz Gonzaga é falar de nós mesmos”, porque é desse Brasil profundo de histórias esquecidas que surge um dos maiores astros do país.
De acordo com Adeildo, a vida de Luiz Gonzaga cruza com a história do Crato quando ele ainda era uma criança. Atravessando a Chapada do Araripe a pé, ele e sua família saíam de Exu, sua cidade natal, para vender cordas na Feira do Crato. Na época a feira era um importante ponto de vendas e trocas do interior do Estado, ocupando uma grande parte do centro da cidade.
Anos mais tarde, Luiz Gonzaga, durante sua fuga para o Rio de Janeiro, chega a pegar um trem na Estação de trem do Crato que ia até a capital, Fortaleza. Ele só voltaria alguns anos depois como um sanfoneiro famoso, com o trabalho reconhecido, mas ainda como um homem do povo, que cantava no Nordeste.
Não são poucos os relatos que afirmam que Gonzagão se colocava como metade cratense e metade pernambucano. O sentimento de pertencimento cresceu à medida que o tempo foi passando. A relação afetuosa ganhou corpo, forma e memórias, que são lembradas até hoje.
O primeiro show após a volta do Rio de Janeiro, já como um cantor de sucesso, aconteceu no dia 10 de julho de 1946 no Cine Cassino de Crato. “Aqui era passagem obrigatória e espontânea de Luiz, ele gostava muito do Crato”, afirma Humberto Cabral, jornalista e grande amigo de Gonzagão. Humberto conta também que Luiz Gonzaga era uma das principais atrações da Exposição Agropecuária (Conhecida hoje como Expocrato) e sempre comandava a abertura do evento gratuitamente.
Segundo o historiador Adeildo, Gonzagão fez shows em diversos locais. Inclusive ele exalta o dia em que o rei do baião fez um show na parte superior do antigo Grande Hotel, que ficava localizado onde hoje é a loja Macavi, em frente à Praça Siqueira Campos. Imagine um show no meio do centro, em um dos pontos mais importantes da cidade, essa foi uma das façanhas que só Luiz Gonzaga realizou.
Fotos deixadas
Na década de 70, Luiz Gonzaga procurou a artista cratense Telma Saraiva para fazer umas fotos e nunca voltou para pegar. Essa é uma das muitas histórias do Rei do Baião no Cariri. As fotografias esquecidas, reunidas hoje no Museu Orgânico Casa Telma Saraiva, servem como atrativo e ficam expostas na mesma parede em que ela colocava as fotos dos seus clientes durante sua carreira. Mesmo com pouca idade, Ernesto (filho mais novo de Telma) lembra do dia em que a van parou na porta e logo saiu o buchicho que Luiz Gonzaga estava na casa de Telma Saraiva. O acontecimento reuniu muitos curiosos na rua.
No total, são quatro fotos que foram esquecidas por ele e que seriam utilizadas para um álbum do cantor. Inclusive, uma delas foi utilizada como modelo para um busto que fica localizado no Parque de Exposições Pedro Felício, no Crato. “Os ensaios que Telma fazia, geralmente, eram no máximo com três fotos, mas com Luiz Gonzaga ela fez quatro, uma de perfil, uma de cada lado e fez outra, que ela considerava a melhor foto”, aponta o caçula.
Responsável pela popularização dos ritmos nordestinos, Luiz Gonzaga foi, e é, um dos maiores artistas da Música Popular Brasileira. Ao longo de sua carreira, deixou 44 discos de vinil e mais de 50 discos compactos. Infelizmente, em nenhum deles foi usada a foto feita pela caririense Telma Saraiva. No entanto, o laço significativo entre os artistas deixados pela história comprova que ambos estavam à frente de sua época.
Reviver nossa amizade
Para além dos shows, as contribuições de Luiz Gonzaga para o Crato são inúmeras, mas duas delas puderam permanecer em memória e como patrimônio até os dias atuais: a construção da igreja São Francisco e do hospital São Francisco. Ou seja, não foi somente através da cultura que o rei do baião se envolveu na história do município, mas também de forma econômica. O Crato, para ele, era como uma segunda casa.
Humberto lembra de Luiz como aquele amigo brincalhão, simples, modesto e fantástico; e afirma: “um fenômeno que não terá mais um igual”. É a lembrança guardada do rei do baião, sua irreverência e bondade.
No mês de maio de 1989, já doente, Gonzagão fazia seu último show na cidade do Crato. Os amigos e admiradores se juntaram ao pequeno coral do Crato, levaram serviço de som e a caminhonete que pertenceu a ele, e foram recebê-lo. Em um momento de celebração, tocaram Xote ecológico, seu último sucesso: as lágrimas de Luiz Gonzaga marcam sua última passagem em vida pela terra que ele tanto amava.
Antes de partir, Luiz Gonzaga fez um pedido: que o corpo dele passasse pela cidade do Crato, e assim foi feito. Em um carro de bombeiros, saindo do aeroporto de Juazeiro do Norte, a matéria de Gonzagão atravessou as ruas centrais das cidades de Crato e Juazeiro, antes da parada final em Exu. O historiador Adeildo contou também que foi um momento de grande comoção, um choro coletivo e vozes unidas cantando:
“Nem se despediu de mim; Já chegou contando as horas
Bebeu água e foi-se embora
Nem se despediu de mim”
Até hoje nos passeios pela Expocrato é a voz de Luiz Gonzaga que marca o evento. “Vou pro Crato, vou matar minha saudade, ver minha morena, reviver nossa amizade” é o recado que ele deixou para a cidade que escolheu como sua. Em diversas músicas o Rei do Baião cita amigos cratenses que fizeram parte das vindas e partidas, um lembrete das boas relações que ele construiu. Entretanto, para além das pessoas que ele conheceu, conversou, fez amizade; ficaram muitas outras feições que se estenderão por toda a história do Crato: Não é possível desfazer o laço firme entre Gonzagão e o Cratinho de Açúcar.
Agradecimentos:
Adeildo de Sousa, historiador e responsável pelo canal de fomento a cultura cratense, “Crato de Ontem”.
Humberto Cabral, jornalista e amigo de Luiz Gonzaga.
Em memória de Sebastião Pedro de Assis, pai de Adeildo, que escutou Gonzagão cantar diversas vezes na cidade no Crato.
Fotos: Lívia Leandro e Acervos Adeildo de Sousa, Memória Histórica do Crato, Lúcia Castro e Humberto Cabral.
Texto: Lívia Leandro e Naju Sampaio / Agência Cariri
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