Pais e mães de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) relatam que escolas do Ceará estão negando ou dificultando o acesso a matrícula em função da condição de seus filhos. A denúncia foi feita durante audiência pública sobre a preparação dos professores e das escolas para atender estudantes com autismo, realizada nessa terça-feira (16) na Câmara dos Deputados, em Brasília. Na ocasião, o Ministério da Educação anunciou que irá investir cerca de R$ 50 milhões para implantar um grande programa de formação de professores e gestores escolares para atender alunos com necessidades especiais, incluindo os autistas.

Na audiência, requerida pelo deputado Idilvan Alencar (PDT-CE), da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, o diretor de Políticas de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva, do Ministério da Educação, Alexandre Mapurunga, informou que a rede escolar do Brasil possui cerca de 620 mil alunos diagnosticados com autismo, dos quais quase 200 mil estão inseridos no ensino regular. Segundo ele, o governo federal investiu R$ 237 milhões para equipar 11.430 escolas em todo o país com salas de recursos multifuncionais. “Ainda neste mês de abril, será feito o repasse para a construção de mais salas e para a compra de mais equipamentos e dispositivos que podem auxiliar essa parcela da população”, anunciou.

Apesar do investimento anunciado, a infraestrutura de muitas escolas segue sem atender às necessidades dos alunos com autismo e grande parte dos educadores não possui formação adequada para lidar com a condição dos estudantes, o que pode prejudicar o desenvolvimento e o aprendizado dessas crianças e jovens. Pedagoga na rede pública do município de Nova Olinda, na região do Cariri, Ana Paula Lima conta que é um grande desafio na sua trajetória profissional atender crianças com autismo sem orientação ou o suporte necessário.

Responsável por uma turma com 22 crianças, entre três e quatro anos, das quais três delas com autismo, Ana Paula afirma fazer um grande esforço para oferecer os resultados que as mães querem, mas que os professores não estão preparados para a demanda. “É o professor pelo próprio professor. Buscamos estudar sobre o transtorno por nós mesmos, procuramos cursos e formações para poder dar o melhor para a criança. Mas é muito difícil essa falta de assistência”, lamenta

Além do trabalho na escola, Ana Paula possui um grupo de leitura infantil conhecido como “Fuxiquinho”, vinculado ao projeto cultural de fomento à leitura Biblioteca em Minha Casa. No grupo, também há crianças com TEA e a professora relata como é importante incluí-las nas atividades para seu desenvolvimento.

Diagnóstico precoce é importante para desenvolvimento dos autistas

Ana Raquel: diagnóstico de João Pedro veio aos dois anos. Foto: Acervo pessoal de Ana Raquel Lins

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), uma em cada 160 crianças possui Transtorno do Espectro Autista (TEA). Neste “Abril Azul”, mês dedicado a gerar mais visibilidade, conhecimento, respeito e engajamento na luta por direitos das pessoas com autismo, especialistas realizam ações de conscientização em todo o país sobre a importância do diagnóstico precoce para o desenvolvimento de crianças e jovens com a deficiência.

A exigência de que o Estado garanta aos pais o acesso ao diagnóstico precoce é um dos direitos assegurados pela Lei Berenice Piana (12.764/12), que definiu as diretrizes da Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com TEA e as equipara às pessoas com deficiência. A lei recebe o nome da mãe de um menino autista (hoje com vinte anos) que passou a lutar em prol dos direitos das pessoas com autismo no Brasil.

A Sociedade Brasileira de Pediatria descreve o Transtorno do Espectro Autista como um transtorno do desenvolvimento neurológico, caracterizado por dificuldades de comunicação, interação social e comportamentos ou interesses repetitivos e restritos. Estas características podem se manifestar de maneira individualizada, em diferentes intensidades, que podem se diferenciar por níveis de suporte (1, 2 ou 3).

Durante a realização de investigação do TEA pelos médicos neuropediatras, poderá haver indicação de terapias especializadas para incentivar o desenvolvimento das crianças. Como no caso de Ana Raquel Lins, mãe de João Pedro de 10 anos e nível de suporte 1, que após  receber o diagnóstico do filho aos dois anos precisou iniciar tratamentos particulares com terapeuta ocupacional e fonoaudióloga para incentivar a comunicação e autonomia da criança.

Ana Raquel lembra que, desde o medo inicial gerado pelo diagnóstico, seu maior objetivo era fazer com que seu filho não sofresse nem se privasse de nada. “A luta é constante, mas todo dia considero uma vitória. Vê-lo a cada dia evoluindo, saudável e sendo feliz e realizando o que ele deseja é o que mais importa. Sempre lembro a ele das suas muitas qualidades, como é inteligente, talentoso, meigo e como é a benção da minha vida”. Ela conta que sempre priorizou o atendimento privado para João Pedro para que ele não fosse prejudicado pela burocracia e tempo de espera do serviço público. “Infelizmente, tivemos dificuldades financeiras na pandemia e precisamos suspender algumas terapias. Mas assim que nos restabelecemos foi prioridade retornar para fonoaudióloga, psicopedagoga e alfabetizadora, pois sabemos dos benefícios”, diz.

Foto: Acervo pessoal de Ana Raquel Lins

Para a psicóloga Kelly Lobo, devido às especificidades de características e de intensidades, é necessário um trabalho em conjunto para adequar as terapias com a realidade de cada pessoa dentro do espectro. “É muito importante que seja realizada uma união entre os pilares que regem essa criança: familiar, escolar e médico. A integração entre esses três espaços é indispensável para conseguir gerar ambientes estimulantes e capazes de incentivar o constante desenvolvimento das crianças com TEA”, afirma.

Sintomas leves podem dificultar laudo

Vinícius Albuquerque, de 18 anos, é autista nível 1 de suporte e só teve seu diagnóstico confirmado em 2022, aos 16 anos. Luceni Albuquerque, mãe de Vinícius, conta que na infância buscou médicos devido a algumas características que surgiram, como demora para falar e isolamento social, mas, na época, devido à falta de informações e a escassez de profissionais especializados, o laudo nunca foi realizado. “Hoje, vejo muitos vídeos na internet que relatam sinais de autismo em crianças e lembro de coisas que ele fazia antigamente, lá em 2010, 2011, que ninguém falava sobre. O tema se tornou público, todo mundo está sabendo mais e isso é muito importante para que as pessoas com autismo tenham mais autonomia e inclusão”, destaca a mãe.

Para Vinícius, mesmo que tardio, o diagnóstico veio como um alívio para si mesmo. “Antes, me sentia diferente e estranho, deslocado devido a alguns comportamentos meus. Mas agora me sinto melhor, sei que não sou o único e que meu transtorno não é um defeito”, relata o jovem.

Beatriz Albuquerque/Agência Cariri