Neste sábado, 25 de maio, é celebrado o Dia Nacional da Adoção. De acordo com o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), o Ceará tem 162 serviços de acolhimento da criança e do jovem. Segundo os dados de 2024 do SNA e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mais de 800 crianças e adolescentes vivem em lares de acolhimento cearenses, dos quais 168 estão disponíveis para adoção e 88 estão em processo para serem adotados.

Ainda de acordo com os dados do SNA, 1.098 pessoas estão na fila para adoção em todo o Estado. As cidades do interior concentram a maioria das famílias que querem adotar. Segundo o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), em 2022, 42,2% das famílias pretendentes estavam em Fortaleza enquanto  57,8% aguardavam no interior do Estado. Na lista dos dez municípios com maior número de pretendentes habilitados à adoção estão Fortaleza, Caucaia, Tianguá, Sobral, Juazeiro do Norte, Crato, Barbalha, Iguatu, Quixadá e Russas. 

Dos 184 municípios do Estado, apenas 36 trabalham com acolhimento institucional, ou seja, possuem abrigo próprio para acolhimento de crianças e adolescentes. Outros 27 atuam em acolhimento regional.

Por que a conta não fecha?

Se mais de 800 crianças e adolescentes vivem hoje em lares de acolhimento no Ceará, por que apenas 168 estão disponíveis para adoção? A assistente social Jamile de Lima Vieira, que atua com casos da Vara da Infância de Juazeiro do Norte, explica porque nem todas as crianças estão disponíveis e porque há mais pretendentes para adotar do que crianças para  adoção. Segundo ela, quando uma criança está em lar de acolhimento, não quer dizer que ela está disponível para ser adotada. Algumas estão afastadas das famílias seja por questões de maus tratos ou negligência. Por isso estão em casas de acolhimento até o poder Judiciário e a equipe de assistência social perceberem uma mudança dos cuidadores. 

As crianças e jovens afastados das famílias que estão em abrigos só ficam disponíveis para adoção depois de cessarem todas as possibilidades de convívio com seus familiares de origem. Somente após a destituição do poder familiar, quando os pais biológicos não cumprem com o acordado com a Justiça, é que esses jovens podem, efetivamente, ser adotados.

“O importante era ser mãe, não a maneira como meus filhos iriam chegar” 

A espera para se adotar pode ser um tempo de ansiedade, tanto para os pais que estão na fila de adoção, quanto para crianças e adolescentes que anseiam um lar. Lana Nóbrega, professora de ensino superior de Jornalismo, sempre quis ser mãe e desejava também adotar: “o importante era ser mãe, não a maneira como meus filhos iriam chegar”, diz. Ela começou a sua jornada de adoção em 2014 e em menos de uma semana conheceu os seus filhos, mas só no ano seguinte pôde concretizar, de fato, a adoção, depois de todo o processo e a emissão de novas certidões de nascimento para seus filhos e, então vivenciar a maternidade mais de perto.

Lana conta que a princípio gostaria de ter uma criança biológica, porque na época desejava a experiência de gravidez e depois adotar. “Mas a inseminação não deu certo, então eu e minha esposa da época resolvemos adotar”. Ela lembra que foi necessário realizar um curso de adoção, uma exigência para famílias que tenham este interesse. Nesse curso aprendeu sobre a realidade dos abrigos brasileiros, como a maioria das crianças nos abrigos são pretas ou pardas e tem irmãos.  

A inclusão do nome no Cadastro Nacional de Adoção (CNA) só acontece depois que a pessoa já seguiu o passo a passo do processo, que inclui análise dos documentos, entrevistas e avaliação de equipe formada por vários profissionais, que irão avaliar a realidade sociofamiliar dos pretendentes. “Após a inclusão no CNA, em menos de uma semana encontramos os nossos filhos: Yasmin, de 8 anos e Thiago, de 5 – eles são irmãos biológicos. Isso foi em 2014″, relata Lana. Ela relembra o processo de adoção, desde o período de aproximação, que durou dois meses, até a efetivação da guarda, cerca de um ano e meio para finalizar todo o processo, assim, trazê-los para seu âmbito familiar. 

Adoção tardia requer adaptação de pais e filhos 

Os dados do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento indicam que o Brasil possui atualmente 4.754 crianças disponíveis para adoção e 36.342 pretendentes querendo adotar. A maioria das famílias quer adotar crianças abaixo dos três anos de idade, sem deficiência física ou doença infectocontagiosa. Crianças brancas também são as preferidas. Com isso, muitos jovens que estão fora desses pré-requisitos permanecem em lares de acolhimento, sem uma família. 

Lana optou por adotar crianças mais velhas e garante não se arrepender. “Quando falamos em adoção tardia, estamos falando de crianças que têm passado e história e essa muitas vezes é difícil e violenta. Meus filhos chegaram com muitas sequelas emocionais de sua vida ainda com os pais biológicos e pelo tempo em que passaram no abrigo, cerca de dois anos e meio”, diz.  Hoje, a mãe relembra do período de adaptação que ela e seus filhos tiveram que passar: “junto com as coisas lindas, vieram também as difíceis, das memórias e fatos de suas vidas vindo à tona e do que eu também fui tentando descobrir para ajudá-los a superar as dificuldades que estavam aparecendo”.

Lana relembra como foi a dinâmica de adaptação de seus filhos em seu âmbito familiar. As novas experiências e sensações, como o primeiro aniversário, a ida à escola, o primeiro chocolate quente, os brinquedos só deles, o primeiro pijama.  As alegrias nas datas comemorativas, em que tudo é novo tanto para ela, como para suas crianças, comemorar o natal, a páscoa e a felicidade que enche o peito e transborda no coração. “Hoje minha filha está com 18 anos, está trabalhando e é uma jovem muito carismática e independente. E meu filho está com 15, no auge da adolescência, mas é um menino de coração lindo e boa índole”, conta, emocionada.

Lana deixa um recado de motivação para as famílias que desejam adotar e que estão na fila de espera: “não romantizar a maternidade, toda maternidade é difícil: é revolucionário, quebra e refaz a gente todo dia, nessa construção contínua e artesanal de crescer junto com nossos filhos. Adoção é uma força fortíssima. É encontro de almas. É saber que vocês são família independente de laço biológico. Mas é também se preparar para os adicionais que vêm no pacote da adoção: se preparar para enfrentar preconceitos que possam surgir na sociedade e na família e para abraçar a história de seus filhos e cuidar para que o vínculo de vocês seja construído de maneira honesta e amorosa”. 

Entrega voluntária é diferente de adoção à brasileira, que é crime  

Por meio da Resolução nº 25/2021, do Poder Judiciário, o programa ‘Entrega Responsável’ oferece amparo e acompanhamento profissional por meio da justiça, para as gestantes e mães de recém nascidos que decidem entregar seus filhos para adoção. O objetivo é que elas sejam amparadas e tenham uma decisão segura. Com a entrega responsável, há o processo e encaminhamentos legais, procedimento assistido pela Vara da Infância e Juventude, com prazo de arrependimento estabelecido pela justiça. 

Já a adoção informal ou conhecida popularmente como “adoção à brasileira”, é crime de falsidade ideológica, previsto no artigo 242 do Código Penal, com pena de reclusão de 2 a 6 anos. Registrar como se fosse seu o filho biológico de outra pessoa é proibido por lei e desaconselhado por assistentes sociais e psicólogos, pois futuramente os pais biológicos podem requerer de volta a guarda dessas crianças. 

O diretor da secretaria da Vara da Infância, José Willame Junior, de Juazeiro do Norte, esclarece que a lei assegura às gestantes o direito de não dizer o motivo da entrega para adoção ou nome do pai. Todo o procedimento é realizado de forma sigilosa e segura para a mãe. “A entrega voluntária é um dispositivo legal: a mãe pode procurar a vara da Infância do seu município e vai ser encaminhada para a rede de proteção, composta por assistente social do município, profissionais da área da saúde mental, com parceria junto a Defensoria Pública e Ministério Público”, afirma. 

Willame Júnior explica que o procedimento de entrega voluntária só ocorre após uma criteriosa análise da vontade da mãe. Isto porque, algumas vezes, a decisão decorre de situações de vulnerabilidade econômica das mulheres. Nestes casos, a Justiça pode auxiliar na busca pela obtenção de auxílios como o Benefício de Prestação Continuada (BPC), auxílio geralmente de um salário mínimo, para criação dessa criança. Caso ela prossiga com o desejo de entrega é encaminhada para o juiz realizar a audiência, para efetivar essa destituição do poder familiar.  “Após este processo, a criança entra para uma instituição de acolhimento e passa a ficar disponível na fila de adoção para ser vinculada a um casal que esteja em primeiro lugar na fila”, exemplifica Willame Junior.

A Vara da Infância e Juventude do município de Juazeiro do Norte fica localizada na Avenida Maria Letícia Pereira, S/N, bairro Lagoa Seca, próxima a Unileão, no prédio da 2ª Unidade do Juizado Especial Cível e Criminal. Funcionamento nos dias úteis de segunda a sexta, das 8h às 18h. Você pode entrar em contato pelo telefone/whatsapp (85) 98128-8095.  

Laurysteffany Pereira e Edwin Carvalho

Agência Cariri